AGEíSMO: o problema crescente na sociedade contemporânea.

Marco Andrade, MD
5 min readFeb 22, 2024

Publicado em inglês — Medium.com — 12 de abril de 2022

Republicado na língua portuguesa em homenagem a um amigo com 60 anos de idade, ativo, lúcido e provavelmente o funcionário mais competente da empresa, que foi recentemente demitido dessa empresa. Por quê? Certamente devido à idade, tinha 60 anos.

A Organização Mundial da Saúde e outras agências da ONU afirmam que os estereótipos, as percepções negativas e outras formas de discriminação, conhecidas como ageísmo, causam isolamento social dos idosos e pioram a sua saúde; estas entidades enfatizam a necessidade de medidas urgentes para combater este problema.

As Nações Unidas divulgaram um relatório alertando sobre o impacto do preconceito contra a velhice nas instituições e sistemas jurídicos, sociais e de saúde.

A cada segundo, uma pessoa no mundo sofre preconceito “moderado ou alto” por estar na velhice.

Michelle Bachelet, Comissária para os Direitos Humanos, disse que o ageísmo (há ainda os sinônimos etarismo ou idadismo) prejudica a todos: jovens e idosos; ela classificou este problema como “uma violação fundamental dos direitos humanos” e indicou uma luta intensa e imediata contra o ageísmo. Bachelet acrescentou que a discriminação contra os idosos é frequentemente aceite e incluída nas políticas, legislação e instituições.

Esse relatório revelou que o preço da discriminação contra os idosos é muito elevado e citou os custos de cerca de 63 mil milhões de dólares em 2020 nos EUA, com pessoas com mais de 60 anos por causa de estereótipos. Mais impressionantes são os dados da Austrália: o relatório indica que se 5% mais pessoas com 55 anos ou mais estivessem empregadas, haveria um acréscimo de cerca de US$ 38 bilhões à economia.

Esse relatório mostra também que, no local de trabalho, os jovens e os idosos estão frequentemente em desvantagem. As oportunidades de formação para os idosos são limitadas. Há preconceito contra os mais jovens, nas áreas da saúde, da habitação e de políticas que ignoram os seus desejos.

As empresas normalmente não promovem nem contratam trabalhadores mais velhos e podem incentivá-los a aderir voluntariamente aos planos de despedimento ou despedir desproporcionalmente trabalhadores mais velhos e mais experientes.

Joanna Lahey, professora da Texas A&M University, relata que há discriminação etária nas contratações nos Estados Unidos; a probabilidade de um candidato jovem ser entrevistado por uma empresa é 40% maior do que a de um candidato idoso.

Numa pesquisa realizada pela Universidade de Kent (Inglaterra), 29% dos entrevistados relataram ter sofrido discriminação por idade e esta proporção é ainda maior do que a discriminação por sexo ou raça. Dominic Abrams, professor daquela universidade, concluiu que o ageísmo é a forma de preconceito mais difundida vivida pela população do Reino Unido.

Ainda existe a “aposentadoria compulsória” em muitas empresas, obrigando o profissional a deixar a organização ao completar uma determinada idade, mesmo que esteja desempenhando seu trabalho corretamente.

Foto publicada — com permissão (uso livre)

A ocorrência do ageísmo tende a aumentar nos próximos anos se tivermos em conta que a pirâmide etária na grande maioria dos países está a inverter-se porque vivemos mais e temos menos filhos. Isso foi citado como uma revolução da longevidade. Em muitos países, a população com mais de 65 anos já representa cerca de 25% da população geral.

Isto significa que é extremamente importante falar repetidamente sobre este tema, bem como mudar a forma como medimos o valor de um profissional e certamente ainda mudar a forma como medimos o valor das pessoas em geral.

Muitos benefícios poderiam ser alcançados se a cooperação entre gerações fosse incentivada; isso pode minimizar conflitos no ambiente de trabalho. Como um aprendizado, talvez os departamentos de RH das empresas devessem “revisitar” o filme “O Estagiário” (com Robert De Niro e Anne Hathaway).

Todos os créditos para o termo ageísmo devem ser atribuídos ao médico Robert Neil Butler (1927–2010). Este psiquiatra e gerontólogo, desde a faculdade, se preocupou com o preconceito em relação à idade e “criou” em 1969 o termo ageísmo. Apresentou também os três pilares do ageísmo: atitudes prejudiciais contra os idosos e o processo de envelhecimento, práticas discriminatórias contra os idosos e políticas e práticas institucionais que prejudicam aqueles que têm mais de 60 anos.

Butler liderou o Instituto Nacional sobre Envelhecimento, o Departamento de Geriatria do Mount Sinai Medical Center e o Centro Internacional de Longevidade e conduziu muitas pesquisas, incluindo pesquisas sobre senilidade, quando demonstrou que a senilidade não necessariamente participa do envelhecimento. Dr. Butler postulou que é possível envelhecer de forma saudável.

Mas, pense bem, reveja se você já praticou o ageísmo?

O preconceito em relação à idade (o ageísmo) está muito presente em nossa sociedade. Veja os exemplos abaixo e responda você mesmo se já praticou ou não o ageísmo:

• Quando uma mulher é criticada porque mantém os cabelos brancos ou não se importa com as rugas; isso é ageísmo.

• Quando não temos paciência com o ritmo dos idosos na direção dos veículos, ao ouvir a narrativa de um idoso sobre um acontecimento, ao acompanhar o caminhar de um idoso (o seu andar mais lento); isso é ageísmo.

• Quando as preferências dos idosos são definidas como “preferências dos idosos”; isso é ageísmo.

• Quando uma família não aceita, devido à idade, que o pai, a mãe (ou mesmo os avôs) iniciem um novo relacionamento ou procurem uma nova atividade profissional; isso é ageísmo.

• Quando tratamos os mais velhos de forma infantilizada ou mesmo nos referimos aos mais velhos de forma infantilizada; isso é ageísmo.

• Quando um profissional experiente, com excelente currículo, não consegue colocação por já ter passado dos 50 anos; isso é ageísmo.

Você provavelmente se lembrou de mais alguns exemplos.

Hoje em dia o ageísmo é tão evidente que o Diretor-Geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, comentou recentemente que o mundo deve livrar-se destes estereótipos, evitando que a discriminação dificulte o acesso das pessoas à saúde, à dignidade e ao bem-estar.

A discriminação etária sempre foi um problema e está presente até nas indústrias cinematográficas e teatrais. Atores, músicos, roteiristas, programadores e engenheiros elétricos mais velhos reclamam da dificuldade de conseguir trabalho, mesmo quando qualificados e experientes.

O ageísmo afeta até os mais renomados.

Em entrevista recente, o famoso ator Pierce Brosnan citou que o ageísmo foi um dos fatores que contribuíram para que ele não fosse escalado para interpretar James Bond no filme Casino Royale, lançado em 2006 (na época, o ator tinha apenas 53 anos).

Para concluir, retomemos as observações de Palmore (2004): “O ageísmo é considerado o preconceito máximo, a última discriminação, a reação mais cruel e o terceiro grande “ismo” depois do racismo e do sexismo”.

References

  • GOLDANI AM — “Ageism in Brazil — Rev Bras Est Pop, Rio de Janeiro, vol 27 (2), p 385–405, Jul-Dez 2010.
  • DUARTE J — https//www.uai.com.br/notícias-brasil.255964/ageismo-voce-tem-preconceito-contra-os-mais-velhos.shtml
  • PALMORE EB — Journal of Cross-Cultural Gerontology, n 19, p 41–26, 2004

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Marco Andrade, MD

Medical Doctor | Master’s degree, Nephrology | Clinical Researcher focused on Onco-Hematology, Infectious Diseases | 30+ years of experience