DISPAREUNIA e INFECÇÃO URINÁRIA ou INFECÇÃO URINÁRIA e DISPAREUNIA?

Marco Andrade, MD
6 min readFeb 26, 2024

Algumas casuísticas indicam que a presença de dor na relação sexual (dispareunia) ocorre em dois terços das mulheres ao longo da vida.

Esse tema foi revisitado no estudo conduzido por Dominguez-Bali (Florida Atlantic University, Boca Raton, Florida). Esse estudo foi apresentado, no final do ano de 2023, durante o evento “Menopause Meeting of the North American Menopause Society”. Dominguez-Bali e colegas comentaram que a dispareunia (relação sexual dolorosa) é um importante indicador de infecções do trato urinário (ITU) e que está presente em 83% dos casos. O sintoma pode identificar uma ITU em mulheres que não estão na menopausa.

Apesar da importância desse binômio dispareunia-infecção urinária, a dispareunia pode ter várias causas.

Mas, é fato que a dispareunia é um sintoma comum de ITU, mas raramente é questionado durante a avaliação das pacientes, conforme os comentários desses pesquisadores. Os números desse estudo são importantes. Na investigação de 5.500 pacientes (com idades entre 17 a 72 anos), 83% daquelas que tinham ITU apresentavam queixas de dispareunia. E quando olhamos a outra face do problema, vemos que 80% das mulheres em idade reprodutora com dispareunia tinham uma ITU não diagnosticada.

Um achado adicional desse estudo, de fundamental importância, foi o fato de que 94% das mulheres com dispareunia associada à ITU tiveram resposta positiva ao uso dos antibióticos.

Dominguez-Bali e colegas apresentaram ainda algumas conclusões interessantes onde indicam que a medicina tem sido por vezes influenciada pela religião, cultura e normas sociais distantes da ciência. Eles ressaltam que a dispareunia é extremamente importante como parte da sintomatologia da ITU e frequentemente encontrado junto com os sintomas clássicos, entretanto não é comumente comentado na consulta médica.

Por quê?

A resposta não é difícil. Frequentemente, médicos e pacientes não falam sobre sexo, durante a consulta, apesar da dispareunia ser mais um sintoma clínico do que sexual.

Foto de uso permitido— cortesia Pixabay

Talvez, seja aqui importante comentar mais sobre a dispareunia.

Os dados do ambulatório de Ginecologia da Universidade de Ribeirão Preto, São Paulo (Brasil), apresentados por Abdo (2002) e revisitados por Matthes (2019), revelaram que a dor pélvica estava presente em 30% das pacientes com queixas ginecológicas e destas, 50% apresentavam dispareunia. A prevalência estimada de dispareunia era de 14,4% a 18%, e a publicação de Abdo (2004) indicava que, no Brasil, cerca 18% das mulheres referiam dor na relação sexual.

Mais recentemente, alguns autores revelaram que, apesar da prevalência e do impacto da dispareunia, muitas mulheres não procuram atendimento. Os relatos de Gerin mostram que, habitualmente, as mulheres com dispareunia muitas vezes sofrem em silêncio e, muitas vezes, percebem que a sua dor não foi valorizada, até mesmo, na avaliação médica.

“Muitas mulheres ainda se submetem à prática sexual sem vontade, na presença da dor, para satisfazer o parceiro e cumprir o seu dever de esposa, além de demonstrarem desconhecer a etiologia da dor, que embora descrevessem, como uma dorzinha fraca, que incomoda; na realidade, era uma dor de grande intensidade geradora de sofrimento intenso” (Gerin).

Isso reforça, muitas vezes, a possibilidade de desqualificação da dor, como se a sua presença fosse normal e esperada.

Não há dúvida se que a educação recebida e o relacionamento com o parceiro apresentam uma forte influência no desenvolvimento e manutenção da dispareunia. Assim, muitas vezes, as pacientes não encontram formas de resolver o problema.

Parece altamente provável que existam diferentes síndromes de dispareunia (Binik, 2010).

De acordo com Matthes e colegas (2012), a dor que é sentida na penetração, na vulva e ou no óstio vaginal, cuja definição é dispareunia superficial, tem causa totalmente diferente da dor sentida na profundidade da vagina e que caracteriza a dispareunia de profundidade, causada pela Síndrome da Vagina Curta Relativa (SVCR).

A identificação e individualização da queixa são fundamentais para definição e conduta adequadas, e mesmo a orientação de cada paciente, em particular.

A dispareunia primária é definida como dor durante o coito sem causa orgânica, com a dor ocorrendo exclusivamente devido à incompatibilidade entre o tamanho do pênis ou o que penetra e o tamanho da vagina, em condições superficiais e profundas. “O tamanho do pênis e a profundidade da penetração influenciam a presença e a gravidade dos sintomas” (Basson, 2013). Aqui, o órgão sexual é o fator causal da dor sentida durante a relação sexual. Por isso, nessa situação clínica, pode haver relação sem dor, quando o órgão sexual tem dimensões reduzidas em relação ao que lhe causa dor, como comentado na SVCR.

Na dispareunia secundária, diferentemente da primária, sempre tem uma causa orgânica e, por isso, independe da dimensão do que penetra a vagina. A dor pode ocorrer no momento da penetração (superficial/de introito) e ou na penetração profunda, devido ao movimento sexual peniano e/ou dos órgãos internos acometidos de alguma patologia (doenças inflamatórias pélvicas, endometriose, tumores pélvicos), mas, conforme Basson (2013), as dores podem ser agravadas com a incompatibilidade de tamanho.

Uma mulher pode ter dispareunia primária, exclusivamente, quando não apresenta nenhuma causa pélvica orgânica, e a dor sentida durante a relação é devido ao estiramento máximo dos ligamentos e tecidos vaginais, mesmo que seja após muitos anos de atividade sexual.

Uma mulher pode ter dispareunia secundária, exclusivamente, quando apresenta qualquer causa pélvica orgânica, que causa dor ao toque ou à movimentação e o órgão sexual, que a penetra, é insuficiente para causar uma distensão vaginal, mesmo que seja na primeira relação sexual.

Mas, uma mulher pode ter dispareunia mista (primária e secundária ao mesmo tempo) quando apresenta qualquer causa pélvica orgânica que causa dor ao toque ou à movimentação e o órgão sexual que a penetra é suficiente para causar uma distensão vaginal traumática.

Por outro lado, a dispareunia, como vimos, pode ser definida como superficial (ou de entrada) e dispareunia de profundidade. A dispareunia superficial é a dor sentida na entrada da vagina — portanto, o vaginismo também é uma dispareunia superficial (mais adiante, comentaremos) — e a dispareunia de profundidade é a dor sentida no fundo da vagina.

O vaginismo é a contração involuntária da musculatura vaginal que impede a penetração e acomete entre 1% e 6% das mulheres com vida sexual ativa. Há algumas casuísticas que apontam que o vaginismo está presente em 7% das mulheres e alguns pesquisadores acreditam que esse número é possivelmente muito maior, pois muitas mulheres não procuram ajuda. O principal sintoma é a dor durante a tentativa de penetração e que ocorre também no exame ginecológico.

Infelizmente, na grande maioria dos casos, essa situação clínica é encarada como “frescura” e as mulheres são vistas como neuróticas. No entanto, o vaginismo tem cura e merece atenção.

Vale a pena registrar que dor na relação não é normal. A mulher deve procurar ajuda médica para um diagnóstico preciso e um tratamento adequado. A dor durante ou após o sexo contribui para a diminuição da libido e pode mesmo acarretar uma aversão ao sexo.

Algumas vezes, as causas da dor podem ser superficiais, na entrada da vagina, por baixa lubrificação vaginal (pode ocorrer nas mulheres que amamentam, mulheres no puerpério, mulheres na menopausa, ou em uso de anticoncepcionais), por fissuras na pele da região, por vaginismo ou ainda, por alterações anatômicas.

A dispareunia orgânica é muito comum, principalmente em mulheres de idade avançada. A dispareunia psicogênica só pode ser definida, após exame clínico (ginecológico e abdominal) e, muitas vezes, é preciso pedir exames complementares (ultrassonografia abdominal, ultrassonografia endovaginal, ressonância magnética, laparoscopia e outros exames).

As mulheres com queixas de dispareunia devem sempre procurar ajuda para uma melhor qualidade de vida. Como vimos, a causa da dispareunia pode estar relacionada com pequenos desequilíbrios na flora vaginal ou hormonal que causam secura vaginal, ou pode estar relacionada com fatores psicológicos, ou a problemas ginecológicos mais sérios.

Então, um especialista pode ajudar e dar a melhor orientação, inclusive, nos casos de dispareunia primária.

Referências

  • MATTHES ACS — RBSH 2019, 30 (1), 14–22
  • DOMINGUEZ-BALI A — Menopause Meeting (North American Menopause Society) — 2023
  • VARGAS B — Medscape — Sep 29, 2023
  • BASSON R — Merck Manual MSD, 2013
  • FIORELLI L — Saúde — 26 de fevereiro de 2016
  • BINIK YM — Archives of Sexual Behavior v.39 (2), 292–303, Apr 2010
  • GERIN LA — Dissertação (Mestrado — USP), 2008

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Marco Andrade, MD

Medical Doctor | Master’s degree, Nephrology | Clinical Researcher focused on Onco-Hematology, Infectious Diseases | 30+ years of experience