Então, você está utilizando um medicamento que pode dificultar o controle dos níveis sanguíneos da sua glicose? Com quais medicamentos, isso ocorre com maior frequência?

Marco Andrade, MD
5 min readFeb 12, 2024

Cortesia — Freepik

Uma revisão recentemente publicada por Jain AB (University of British Columbia — Vancouver, Canada — Medscape, January 30, 2024) analisa alguns dos medicamentos, utilizados para tratar diversas doenças, que podem potencialmente perturbar o controle da glicemia.

Isso tem muita importância no contato com o médico clínico e/ou da Emergência que, muitas vezes, não conhecem o histórico do paciente. Desse modo, o médico desconhece os medicamentos que o paciente utiliza regularmente ou um tratamento iniciado recentemente.

É possível então, que, nesse atendimento primário ou de urgência, o médico identifique uma elevação dos níveis de glicose no sangue, sem que tenha conhecimento de toda a medicação que o paciente está utilizando.

Isso tem importância aumentada para os idosos; algumas estatísticas indicam que cerca de 50% dos idosos são diabéticos. Alguns medicamentos, como corticoesteroides, antipsicóticos, diuréticos (especialmente, os tiazídicos), estatinas (para correção de lipídeos elevados), betabloqueadores, são bastante utilizados na prática clínica e, muitas vezes, são prescritos para pessoas idosas, devido à presença da hipertensão arterial, aumento do colesterol, alterações do ritmo cardíaco e outras patologias.

O uso de alguns desses medicamentos podem levar ao aparecimento do diabetes (por exemplo, diabetes induzido pelos corticoesteroides) ou podem piorar ou dificultar o controle da glicemia em pacientes com diabetes já diagnosticado.

Em algumas situações clínicas, onde a medicação para outras doenças distintas do diabetes está indicada, pode ser necessária a administração de insulina e uma revisão do plano dietético.

Mais uma vez, o médico deve ser informado de toda a medicação que você utiliza e de todo o seu histórico médico.

Alguns desses medicamentos podem levar à obesidade (situação que pode desencadear o aparecimento do diabetes) e/ou levar à resistência à ação da insulina por um efeito direto nas células pancreáticas.

Se você usa diuréticos da família dos tiazídicos, como a hidroclorotiazida ou clortalidona, para o controle da hipertensão arterial; isso deve ser relatado durante o atendimento médico. A partir disso, uma avaliação do potássio sérico será solicitada. Um dos fatores que contribui para elevação da glicose sanguínea em usuários de tiazídicos é o aparecimento da hipopotassemia (potássio baixo no sangue). Acredita-se que a hipopotassemia que ocorre com o uso desses medicamentos leva a uma diminuição na secreção e sensibilidade à insulina; isso parece depender da dose diária utilizada de tiazídicos. Essa ocorrência parece estar presente naqueles que, mais recentemente, iniciaram a medicação com tiazídicos, daí a importância de avaliação constante do potássio sérico para os usuários desse medicamento, em particular, durante o primeiro ano da prescrição.

Por outro lado, a prescrição médica de betabloqueadores é bastante comum pelos cardiologistas. Esses medicamentos são utilizados em casos de arritmia cardíaca, de doença arterial coronariana, hipertensão arterial. O relato do betabloqueador que você está utilizando tem muita importância, pois os betabloqueadores não vasodilatadores, como metoprolol e atenolol, causam com mais frequência aumentos da glicose sanguínea, do peso corporal e, até mesmo, alterações dos lipídeos sanguíneos. Alguns desses betabloqueadores podem provocar quadros de hipoglicemia e, muitas vezes, podem mascarar alguns dos sintomas de hipoglicemia, dificultando muitas vezes o diagnóstico.

Os pacientes, especialmente os idosos, para os quais são prescritos esses medicamentos betabloqueadores, deveriam ser treinados para reconhecer em si próprio os sinais de hipoglicemia, assim como saber adotar medidas corretivas, em particular, aqueles que vão iniciar uma terapêutica com betabloqueadores.

Há ainda outros medicamentos que são capazes de alterar o metabolismo da glicose, tais como terapêutica antirretroviral, imunossupressores, interferon alfa, terapia de privação androgênica (goserelina e leuprolida, comumente usadas no tratamento do câncer de próstata) e outros mais.

Apesar de todo esse conhecimento, a hiperglicemia por medicamentos é com muita frequência subestimada. Mas, não há dúvida de que estabelecer a relação causa-efeito é um desafio, em especial, na avaliação de um paciente que necessita receber muitos medicamentos; nesses casos, fica difícil determinar qual (ou quais) é (ou são) responsável (eis) pela hiperglicemia.

Mas, há uma boa notícia!

O diabetes induzido por medicamentos é potencialmente reversível na maioria dos casos. Entretanto, vale a pena ressaltar que a piora do controle glicêmico devido a medicamentos em pessoas com diabetes pré-existente também pode atenuar o próprio efeito do medicamento prescrito.

O aumento de peso associado a corticosteroides e antipsicóticos pode tornar difícil saber se o desenvolvimento de diabetes foi um efeito primário ou secundário da medicação. Um dado interessante é que um medicamento pode causar hiperglicemia somente em alguns pacientes, sugerindo que estes pacientes possam ser mais suscetíveis, ou que haja outras condições que os tornam mais vulneráveis. Os riscos para o desenvolvimento de diabetes por medicamentos são a dose e a duração do tratamento e ainda fatores como a idade, a história familiar de diabetes e o índice de massa corporal.

Evidentemente, o médico diante de uma hiperglicemia irá avaliar o papel dos medicamentos que o paciente toma. Por outro lado, para um doente com baixa tolerância à glicose, quando iniciar uma medicação com potencial risco para hiperglicemia, será recomendável uma monitorização glicêmica frequente. Assim, em alguns casos, poderá ser considerada a interrupção ou alteração da medicação. Como vimos, a retirada do medicamento frequentemente resolve a situação.

Isso significa que os níveis de glicose sanguínea devem ser monitorados continuamente para um ajuste dos medicamentos para o diabetes sempre que necessário. Porém, para alguns indivíduos, a piora do estado glicêmico pode ser mais crônica e exigir o uso prolongado de agentes anti-hiperglicêmicos; nesses casos, o médico somente opta pela continuação da medicação prescrita, caso seus benefícios excedem os seus potenciais riscos.

Quando o diagnóstico de diabetes já existe, os benefícios e riscos da administração de medicamentos indutores de hiperglicemia devem ser avaliados. Se a utilização do medicamento é curta, mais vale procurar um medicamento com pouco ou nenhum efeito na glicemia. Se, ao contrário, a administração for necessariamente prolongada deverá existir uma terapêutica adequada e, em alguns casos, será necessário adicionar insulina.

Em algumas situações, como, por exemplo, homens em terapêutica antiandrogênica devem ser incentivados a participar de atividade física regular visando à redução da resistência à insulina e, com certeza, promover a saúde cardiovascular.

Mas, de fato, todos nós conhecemos os benefícios da atividade física regular para a nossa saúde, em geral.

Referências bibliográficas

. Simón A — CIM — 27 dezembro 2017

. Sena EP et al — Rev Bras Psiquiatr 2003;25(4):253–7

. Jain AB — Medscape January 30, 2024

. Moreira EB et al — Revista Multidisciplinar do Nordeste Mineiro, v7, 2023 ISSN 2178–69251

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Marco Andrade, MD

Medical Doctor | Master’s degree, Nephrology | Clinical Researcher focused on Onco-Hematology, Infectious Diseases | 30+ years of experience