Essa questão permanece em discussão: aspirina deve ser usada na prevenção de eventos cardiovasculares?
A utilidade e a eficácia de doses baixas de aspirina seguem sendo questionadas para prevenir eventos cardiovasculares em pessoas que não têm doença cardiovascular aterosclerótica (DCVA), mesmo que estejam tomando estatinas. E, em todos os níveis de risco de DCVA, a aspirina acarreta um risco de sangramento que ultrapassa os seus benefícios potencialmente protetores.
Isso ficou evidenciado no recente estudo publicado no JACC (Journal of the American College of Cardiology) pelo grupo de pesquisadores liderados pelo Dr. Safi U Khan.
Esse estudo trata-se de uma metanálise (um método estatístico para agregar os resultados de dois ou mais estudos independentes, sobre uma mesma questão de pesquisa, combinando seus resultados em uma medida sumária). Essa metanálise reuniu dados de 16 estudos com 171.125 indivíduos, com uma mediana de idade de 64 anos. Trinta e cinco por cento dessa população fazia uso de estatinas.
Os achados dessa publicação indicam que se você está tomando aspirina para a prevenção de eventos cardiovasculares, você deveria conversar com o seu médico. Converse com seu médico e confirme se você deve ou não seguir com essa medicação.
Modificações no estilo de vida, cessação do tabagismo e terapêutica com estatina podem ser úteis para você, sem ter que usar a aspirina.
Dr. Khan ressaltou que seu estudo se concentrou apenas em pacientes que não têm DCVA e comentou que pacientes que têm DCVA devem continuar com aspirina e terapia com estatina, conforme a orientação de seu médico.
Por outro lado, ele enfatizou ainda que a aspirina tem um papel limitado para pacientes que não têm DCVA; assim o uso da aspirina para esses pacientes pode ser considerado se seus médicos sugerirem que o risco de ter um evento cardiovascular excede o risco de sangramento pela aspirina.
Então, se você faz uso de aspirina para a prevenção de um evento cardiovascular converse com o seu médico.
Um outro achado da pesquisa do Dr. Khan demonstrou que, com o uso concomitante de estatinas e aspirina, houve redução dos efeitos cardiovasculares “protetores” da aspirina. E um outro dado importante foi a observação de que o uso concomitante desses medicamentos não teve influência sobre um possível risco de sangramento pela aspirina.
O Dr. Kahn observou ainda que o estudo de sua equipe envolveu pacientes sem DCVA que estavam tomando aspirina com ou sem terapia com estatina para prevenir DCVA e o risco absoluto de sangramento excedeu a redução absoluta de infarto do miocárdio para diferentes categorias de risco de DCVA.
Assim, a meta-análise também evidenciou que a aspirina, como monoterapia ou com uma estatina, trouxe um benefício leve a significativo, dependendo do risco estimado de desenvolver DCVA. O risco de sangramento pelo uso da aspirina excedeu o benefício que a aspirina poderia trazer para os pacientes dos três grupos estratificados de risco.
Nos grupos com risco alto ou muito alto de DCVA, houve um maior benefício, com menor número de infartos do miocárdio, entretanto, houve ocorrência de mais eventos hemorrágicos. Os benefícios para esses dois grupos de risco alto de DCVA foram aparentemente superiores com a combinação aspirina-estatina, mas a combinação não reduziu o risco de eventos hemorrágicos pela aspirina.
Mas, como ocorreram os benefícios da combinação aspirina-estatina?
Esses benefícios foram decorrentes da redução dos níveis de LDL-colesterol relacionada especificamente com o uso da estatina?
Ficou ainda claro que a aspirina, em monoterapia ou com estatina, não reduziu o risco de outros desfechos importantes: AVC ou mortalidade cardiovascular. A aspirina não foi associada à redução de AVC não fatal e, por outro lado, pacientes em uso de aspirina tiveram um risco maior de hemorragia intracraniana (32% maior) e de sangramento gastrointestinal (51% maior).
Vale ressaltar que o tema é polêmico até mesmo em algumas diretrizes: observam-se controvérsias em torno do uso de aspirina para prevenir DCVA, quando consultamos algumas das principais diretrizes da American College of Cardiology/American Heart Association (2019), European Society of Cardiology (2021) e The United States Preventive Services Task Force (2022).
Então, a aspirina perdeu espaço na prevenção da DCVA?
Essa é a opinião de muitos especialistas. Eles indicam que, com os principais estudos com as estatinas, com as novas terapias antiplaquetárias, medicamentos de maior duração para prevenção secundária e primária, a aspirina de rotina realmente perdeu espaço na prevenção primária.
Assim, embora até aqui o uso de medicamentos antiplaquetários, como a aspirina, tenha proporcionado benefícios indubitáveis a milhões de pacientes em todo o mundo, os benefícios são limitados pelo risco de sangramento concomitante, que por sua vez está associado a significativa morbidade.
As recentes diretrizes da United States Preventive Services Task Force sobre o uso de aspirina para prevenir doenças cardiovasculares refletem bem algumas dificuldades em definir a população de indivíduos que poderia se beneficiar da terapia profilática com aspirina.
Então, como prevenir eventos cardiovasculares para os indivíduos que não têm DCVA?
A meta definitiva para reduzir o risco de infarto do miocárdio e derrame seria a redução do LDL-colesterol. Esses são os comentários de muitos especialistas. Comentam ainda que as estatinas não levam a um risco de sangramento e podem trazer benefícios para todos os níveis de risco para DCVA, incluindo os diabéticos. Uma conduta agressiva na redução do colesterol com uma redução significativa do LDL-colesterol traz benefícios.
Mas, a modificação do estilo de vida tem papel fundamental na prevenção da DCVA. Uma dieta adequada e a prática regular de exercícios são fundamentais para a saúde, em geral, e para a saúde cardiovascular.
Um alerta: Se você está tomando aspirina para a redução de mortalidade por câncer colorretal, por indicação de seu médico, a conversa pode ser diferente.
Mas, isso é um outro capítulo que merece uma particular e específica discussão.
Referências
- Khan SU et al — JACC Adv. Feb 08, 2023 : 10.1016/j.jacadv.2022.100192
- Cofer LB et al — Arteriosclerosis, Thrombosis and Vascular Biology — Volume 42, Issue 10, October 2022, P 1207–1216.
- Spencer FA et al — UpToDate — June 28, 2022
- — JAMA 2022 ; 327 (16) : 1577–1584
- — Medscape — Feb 15, 2023