Fragilidade social, Fragilidade física, Síndrome da fragilidade. Existe uma correlação entre elas?

Marco Andrade, MD
7 min readFeb 6, 2024

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Uma das publicações da revista médica Alzheimer’s & Dementia (29 de janeiro de 2024) comenta que a fragilidade social estaria associada a um risco da síndrome de risco cognitivo motor (SRCM). Trata-se de uma síndrome de pré-demência caracterizada por queixas cognitivas e marcha lenta. Esses achados foram sugeridos a partir dos resultados de um grande estudo de base populacional.

Cognição e locomoção são duas habilidades controladas pelo cérebro. Com o envelhecimento fisiológico e patológico, o declínio dessas habilidades é altamente prevalente e há uma aparente interação complexa entre essas habilidades relacionada com a idade e uma intensidade aumentada quando presentes ao mesmo tempo no mesmo indivíduo.

Assim, o baixo desempenho da marcha pode representar um primeiro sintoma de demência.

Cortesia— jornal.usp.br

A fragilidade é uma síndrome geriátrica que vem sendo observada com a longevidade. Há dados gerais que apontam que o envelhecimento, em países desenvolvidos, está na companhia de melhorias nas condições gerais de vida; por outro lado, em países em desenvolvimento, não houve um processo adequado de reorganização na área da saúde ou na área social.

A longevidade é, sem dúvida, uma conquista decorrente dos avanços tecnológicos e recursos de saúde, porém encontra-se em diferentes estágios no mundo, mesmo em países com desenvolvimento econômico semelhante.

Alguns autores apontaram anteriormente a idade avançada, o gênero feminino, a baixa escolaridade, a baixa renda, a polifarmácia, a ausência de suporte familiar e social, os hábitos de vida pouco saudáveis, comprometimento cognitivo e hospitalização como principais fatores de risco para a fragilidade.

Esses fatores estressores podem levar a vulnerabilidade física com desfechos negativos para a saúde do idoso.

Nessa recente publicação, os pesquisadores, na avaliação inicial dos participantes do estudo, utilizaram cinco itens sociais para definir os grupos de idosos normais (zero a um item) e grupos de fragilidade social (dois a cinco itens). Os itens sociais avaliados foram: sair menos, não se sentir confiante, raramente visitar amigos/família, não falar com outras pessoas e sem companheiro/cônjuge.

A SRCM foi identificada nos indivíduos com queixas cognitivas subjetivas e uma lenta velocidade da marcha (critério determinado em comparação com o nível específico da idade) e sem demência ou incapacidade de marcha. Na avaliação dos participantes, foram ainda considerados os dados demográficos, estilo de vida, presença de depressão e/ou ansiedade e número de doenças crônicas. Vale ressaltar que os participantes foram avaliados em um período médio de acompanhamento de 4 anos e 10,35% deles foram diagnosticados com SRCM.

Um ponto importante da pesquisa foi a identificação de que os participantes do estudo com fragilidade social tiveram um risco aumentado de SRCM em comparação com o grupo normal. E ainda um outro dado importante foi que cada item social desfavorável adicional foi associado a um risco aumentado de SRCM, independentemente de estilo de vida, doenças crônicas e saúde mental.

Na revista médica Geriatrics, Gerontology and Aging {2018;12(2):121–35}, a revisão sistemática de Lourenço RA e colegas demonstrou que a prevalência de fragilidade em idosos brasileiros variou entre 6,7 e 74,1%. Um outro aspecto importante aparece na publicação de Cesari M e colegas {Journal of the American Medical Directors Association 2016 Mar 1;17(3):188–92}; esses autores apontam que a condição de saúde na velhice é influenciada pelas condições socioeconômicas mais pobres e pelo acesso deficiente a serviços de saúde durante a fase jovem e adulta.

Alguns pesquisadores já indicaram a existência de uma correlação entre fragilidade e suporte social. Reconhecidamente, os idosos podem se tornar menos ativos socialmente quando não contam com o apoio familiar e social. Há indicadores que demonstram que o suporte social está associado a um efeito protetor, com bem-estar físico e psicológico, e melhores condições de saúde poderão estar presentes.

Diversos autores indicam que a fragilidade representa uma prioridade na saúde pública e é uma condição prevalente em populações envelhecidas; essa síndrome afeta, sem dúvida, a qualidade de vida dos idosos e ainda a sustentabilidade dos sistemas de saúde públicos (conforme Cesari et al., 2016).

A fragilidade, conforme diversos autores (Rodríguez-Mañas et al., 2013; Yeolekar & Sukumaran, 2014; Zaslavsky et al., 2012), é uma síndrome geriátrica que envolve pessoas idosas com um elevado risco de eventos adversos para a saúde como quedas, hospitalizações, incapacidade, institucionalização permanente e morte.

A definição da fragilidade física, ao lado da fragilidade social, tem sido alvo de um crescente número de investigações e publicações. Um modelo biológico, Fried et al (2001), entende que a fragilidade é um ciclo caracterizado pela deterioração de múltiplos sistemas fisiológicos que envolve a perda de peso, exaustão, fraqueza, baixa velocidade na marcha e baixa atividade física. A fragilidade, segundo esse modelo, está presente quando são identificados, pelo menos, 3 destes 5 fatores.

A fragilidade pode ser definida com um estado de pré-incapacidade com perda física, psicológica e social, sob o efeito de algumas variáveis como doenças, reserva fisiológica diminuída e com risco aumentado de incapacidade e de utilização de cuidados da saúde.

Fragilidade social? Fragilidade física? Qual é a dimensão social na síndrome da fragilidade?

Quantos estão sob risco?

Aparentemente, a dimensão social da síndrome da fragilidade tem sido pouco explorada. Programas de prevenção e de intervenção eficazes precisam ser implementados para a identificação e orientação dos idosos sob risco.

A dimensão social da fragilidade e os componentes dessa síndrome não podem ser negligenciados. Os mais próximos de um idoso devem estar convocados para participar e atuar.

Tavassoli et al (2014) desenvolveram um questionário inicial sobre sintomas e/ou sinais para ser administrado a pessoas com idade igual ou superior a 65 anos. Esse questionário envolve seis componentes de fragilidade (viver sozinho, perda de peso, fadiga, mobilidade, memória e lentidão). Um estado inicial de fragilidade física pode ser determinado e o isolamento social é um fator importante na identificação da síndrome.

Muitos pesquisadores já exploraram as relações entre a síndrome da fragilidade e diversas variáveis sociodemográficas, como ser mulher, idade avançada, baixa escolaridade, baixa posição socioeconómica corrente e ambiente habitacional.

Os fatores sociais podem estar realmente relacionados como sinônimos de fragilidade?

O estudo de Zhang parece apontar nessa direção.

A revisão de Lenardt (2021) e a pesquisa da ABRATA (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos) podem acrescentar um pouco mais sobre esse tema.

A revisão de Lenardt e colegas (2021) evidenciou a associação entre sintomas depressivos e a fragilidade física em pessoas idosas, com capacidade de serem preditoras entre si, e essa associação está relacionada a desfechos negativos para a saúde da pessoa idosa, entre eles: comprometimento cognitivo, limitação das atividades, aumento da mortalidade, entre outros.

Há dados que apontam que os países mais pobres têm mais casos de depressão do que os países ricos.

Há mais de uma década, uma pesquisa realizada por interesse da ABRATA demonstrou que as classes C e D são as mais vulneráveis à depressão; essa pesquisa identificou sintomas depressivos em 25% das pessoas desse estrato social.

As desigualdades sociais envolvem os principais sentimentos relacionados à depressão e a outros transtornos mentais, como humilhação, inferioridade, percepção de falta de controle sobre o meio e impotência.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é a doença mais incapacitante do mundo. E mais crítico ainda é que a depressão não afeta só a pessoa que tem o distúrbio; a família, os amigos e colegas também são impactados.

Muito importante foram os dados recentemente divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que apontam que, nos próximos anos, a depressão deve se tornar a doença mais comum do mundo. A depressão vai afetar mais pessoas do que qualquer outro problema de saúde, superando câncer e doenças cardíacas.

A depressão, de acordo com a OMS, será a doença que mais gerará custos econômicos e sociais para os governos, face ao binômio: gastos com tratamento para a população e perdas de produção.

A OMS confirma ainda que os países pobres são os que mais devem sofrer com o problema; nesses países são registrados mais casos de depressão do que em países desenvolvidos. Em 2009, mais de 450 milhões de pessoas estavam afetadas diretamente por transtornos mentais, a maioria delas nos países em desenvolvimento (Primeira Cúpula Global de Saúde Mental, Atenas — Grécia).

Dr. Shekhar Saxena (Departamento de Saúde Mental da OMS) declarou então que os números da OMS mostravam claramente que o peso da depressão (em termos de perdas para as pessoas afetadas) irá provavelmente aumentar, de modo que, em 2030, a depressão sozinha será a maior causa de perdas (para a população) entre todos os problemas de saúde”.

Tudo indica que a fragilidade social e a fragilidade física estão bem próximas e bem mais próximas nas camadas sociais mais desfavorecidas, associando-se aqui também uma maior frequência de transtornos mentais que vão realimentar o binômio fragilidade social/ fragilidade física.

Bibliografia

# Lenardt MH et al — Sintomas depressivos e fragilidade física em pessoas idosas: revisão integrativa — Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(3):e210013

# Bessa BML — A Fragilidade Social — Um contributo para a compreensão da Síndrome de Fragilidade em pessoas idosas — Dissertação Instituto Superior de Serviço Social do Porto (obtenção do Grau de Mestre em Gerontologia Social) — 2016

# Moura K et al — Fragilidade e suporte social de idosos em região vulnerável: uma abordagem em uma Unidade de Saúde da Família — Rev. Aten. Saúde, São Caetano do Sul, v. 18, n. 63, p. 65–73, jan./mar., 2020

# Jesus IT et al — Fragilidade de idosos em vulnerabilidade social — Acta Paul Enferm. 2017; 30(6):614–20.

# Zhang H, Hu Z et al — Social frailty and the incidence of motoric cognitive risk syndrome in older adults — https://doi.org/10.1002/alz.13696 — Alzheimer’s & Dementia — 29 January 2024

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Marco Andrade, MD

Medical Doctor | Master’s degree, Nephrology | Clinical Researcher focused on Onco-Hematology, Infectious Diseases | 30+ years of experience