ISOLAMENTO SOCIAL DOS IDOSOS E REDUÇÃO DO VOLUME CEREBRAL

Marco Andrade, MD
5 min readJul 27, 2023

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Após os 60 anos de idade, surge habitualmente um período de importantes alterações na vida do idoso.

Criação — Jane Portela

São muitas ocorrências na vida das pessoas dessa faixa etária e que, muitas vezes, acontecem ao mesmo tempo. Mudanças físicas, limitações físicas, redução da independência, doenças, aposentadoria, perda de pessoas queridas (como a viuvez, por exemplo) são algumas delas.

Nessa fase da vida, o sentimento de solidão aflora e se torna até mesmo bastante agudo.

A recente pandemia impôs um afastamento social mandatório para esse grupo de pessoas, considerando-se o alto risco de contágio e agravamento dos sintomas da COVID-19 e, aparentemente, a determinação do afastamento do convívio social foi considerada a melhor estratégia para proteger esses idosos.

Entretanto, a solidão na terceira idade já era um problema claro antes mesmo da pandemia pelo novo coronavírus.

E o que acarreta a solidão na terceira idade?

Nas faixas etárias mais avançadas, conforme as publicações de pesquisadores da Universidade de Chicago, o isolamento social pode aumentar o risco de morte em 14%. A solidão pode gerar uma situação de alto estresse capaz de reduzir a produção de leucócitos com diminuição da defesa do organismo para o combate às infecções. Assim, o isolamento social do idoso pode contribuir para a redução da sua resposta imunológica.

Não há dúvida ainda que o acesso frequente a notícias ou ainda a informações inverídicas pode agravar o quadro de estresse desses idosos por desencadear situações repetidas de ansiedade.

A solidão e o isolamento social podem aumentar o risco de doenças cardíacas em 29% e de acidentes vasculares em até 32%, segundo estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de York. O aumento da pressão arterial e dos níveis de colesterol, a diminuição na capacidade cognitiva e o agravamento de quadros depressivos podem ser potencializados pelo isolamento social e a solidão. Esses quadros podem ainda ser acompanhados por perda de apetite e alterações do sono.

Agora, uma nova publicação (Neurology, 12 de julho de 2023) veio enfatizar que o isolamento social em indivíduos mais velhos estaria associado à redução do volume cerebral em regiões associadas à memória. Ao lado disso, a associação entre isolamento social e volume cerebral reduzido poderia ser, pelo menos em parte, mediada por sintomas depressivos.

O investigador Toshiharu Ninomiya, MD, PhD, professor de epidemiologia e saúde pública na Universidade de Kyushu em Fukuoka, Japão, sugere que esforços devem ser feitos para reduzir o isolamento social dos idosos.

Vale ressaltar que existem vários estudos indicando que a interação social é benéfica na prevenção do declínio cognitivo e do início da demência. E, em oposição, estudos epidemiológicos recentes mostraram que o isolamento social está associado a um risco de declínio cognitivo e demência.

Existe uma correlação entre esses dois tópicos: declínio cognitivo e demência?

Alguns estudos já demonstraram que o isolamento social está relacionado a sintomas depressivos em adultos mais velhos, e a depressão tardia foi associada à atrofia cerebral.

Para investigar a possível correlação entre isolamento social e atrofia cerebral, assim como o papel da depressão como um potencial mediador, foram avaliados cerca de 9.000 cidadãos com 65 anos ou mais, incluídos em um estudo de coorte nacional sobre demência (Japan Prospective Studies Collaboration for Aging and Dementia (JPSC-AD))

Os participantes foram recrutados em oito locais de pesquisa do Japão, e cada um tinha uma ressonância magnética inicial entre 2016 e 2018 (aqueles com diagnóstico de demência no início do estudo foram excluídos). A frequência de contato social foi categorizada como: todos os dias, várias vezes por semana, várias vezes por mês ou raramente.

Os participantes também responderam a perguntas sobre histórico médico e tratamento, medicamentos anti-hipertensivos ou antidiabéticos, exercícios, consumo atual de álcool e hábitos tabágicos. Cinquenta e sete por cento (57%) dos participantes eram mulheres e a média de idade foi de 73 anos.

O volume total do cérebro foi menor naqueles com menor frequência de contato social versus aqueles com maior frequência (67,3% vs. 67,8%). Menos contato social também foi associado a volumes menores de diversas áreas do cérebro: lobo temporal, lobo occipital, cíngulo, hipocampo e amígdala.

O volume da lesão da substância branca aumentou com menos interações sociais, de 0,26% no grupo mais social para 0,30% no grupo com contato mínimo.

A função cognitiva foi maior nos participantes que tiveram contato social diário em comparação com aqueles que tiveram menos contato (28 vs 27 no Mini-Mental State Examination; P < 0,001). As pontuações entre 25 e 30 são consideradas normais.

Os sintomas depressivos foram menores no grupo de contato diário em comparação com o grupo de contato raro (P < 0,001). As análises de mediação indicaram que os sintomas depressivos poderiam representar apenas 15%-29% das associações observadas.

Os resultados também mostraram que os participantes socialmente isolados eram mais propensos a ter diabetes, hipertensão e eram, ainda, mais propensos a fumar e a serem fisicamente inativos.

O investigador Ninomiya comentou que “o mecanismo detalhado da relação entre isolamento social e volume cerebral ainda não está claro”. Esse investigador acrescentou que mais pesquisas são necessárias para saber se as descobertas se aplicariam a pessoas de outros países.

Ao mesmo tempo, Alexa Walter, PhD, e Danielle Sandsmark, MD, PhD, da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, observaram que o isolamento tem sido associado a muitos resultados adversos à saúde, incluindo aumento do risco de doenças cardíacas, derrame e morte prematura.

Esses pesquisadores ressaltaram que “dadas essas descobertas, trabalhos futuros considerando fatores sociais de saúde no contexto de doenças neurológicas são uma importante área de pesquisa a ser considerada. Além disso, outros estudos longitudinais existentes podem nos fornecer uma oportunidade de mais bem entender essas relações dentro das populações e informar políticas públicas para resolver essas questões”.

Até lá, podemos lembrar que “isolamento não precisa ser igual a solidão”.

Muitos idosos, por opção própria ou não, vivem sós, mas podem ser conectados por seus familiares e amigos, sem alterar suas rotinas diárias. A interação social pode persistir pelo contato por ligações telefônicas ou videochamadas. Isso pode realmente ajudar esse grupo etário.

Muitos estudos enfatizam a importância do contato face a face que é o caminho primordial para uma intervenção positiva no isolamento.

Podemos concluir que “o isolamento, independentemente de outros fatores, é capaz de influenciar negativamente nos desfechos de saúde, satisfação e bem-estar de modo singular”.

Precisamos ter em mente que o isolamento social é potencialmente evitável.

A ampliação do papel e da função social das pessoas idosas precisa ser reavaliado. As pessoas idosas precisam ser incluídas na dinâmica das cidades.

O ageísmo é ainda uma realidade nos dias atuais. As práticas discriminatórias realizadas contra uma pessoa com base em sua idade precisam ser combatidas.

Referências

  • HIRABAYASHI N et al — Neurology, July 12, 2023
  • WALTER AE; SANDSMARK D — Neurology, July 12, 2023
  • BOCK MA et al — Neurology, October 14, 2020
  • BEZERRA PA et al — Acta Paul Enferm 2021, 34: eAPE02661
  • BENDER E — Medscape July 25, 2023

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Marco Andrade, MD
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Written by Marco Andrade, MD

Medical Doctor | Master’s degree, Nephrology | Clinical Researcher focused on Onco-Hematology, Infectious Diseases | 30+ years of experience

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